23 junho 2008

O meu avô está velhinho: o corpo tem dores, muitas e irremediáveis; a cabeça lucidez para saber de tudo isto com um à-vontade que me deixa sem respirar.
Todas as vezes que temos estado juntos fala-me da sua morte. Eu encolho-me, reduzo-me, tento desaparecer daquele momento. Não se lastima, fala antes com a urgência de quem tem pendências a resolver e tarefas a distribuir.
No último sábado foi um pouco diferente. Disse que estava a pensar morrer, que tinha tirado o dia para isso. Respirei fundo, tentando não me mostrar encolhida, tentando estar à altura, perguntei-lhe como. Ele respondeu que tem um sistema mas que ainda não surtiu efeito e, de qualquer forma, eu tinha chegado e tinhamos assuntos a tratar. Foi nessa altura que a minha avó se indignou e disse «morres quando Deus quizer», de dedo esticado, qual ameaça. O meu avó sorriu do castigo.
Mais tarde despedi-me pedindo desculpa por o ter interrompido e agradeci-lhe tê-lo apanhado por cá.

2 comentários:

doc disse...

Um beijo

a disse...

esse avô admirável!...

uma verdadeira bomba literária e moral

A Tragédia da Rua das Flores ou O Desastre da Travessa das Caldas ou Os Amores de um Lindo Moço, O Caso Atroz de Genoveva ou simplesmente Genoveva, é uma obra rascunhada e rudimentar do ponto de vista gramatical, formal e estilístico, que ficou esquecida durante cerca de cem anos e que o autor nunca chegou a corrigir.

Todavia, era, para Eça,

"o melhor e mais interessante que tenho escrito até hoje"

"uma verdadeira bomba literária e moral".